Gas tank in industrial factory

O hidrogénio representa um extraordinário contributo para a industrialização – entrevista a João Galamba

Sustentabilidade, hidrogénio

“O hidrogénio representa um extraordinário contributo para a industrialização”

João Galamba

Entrevista a João Galamba

POR Carla Guedes

Portugal caminha para a neutralidade carbónica, apostando num mix de energias renováveis que são, ao mesmo tempo, uma necessidade e uma oportunidade para o desenvolvimento do país.

A descarbonização da economia e a transição energética “são oportunidades para o desenvolvimento económico e industrial do país”, afirma o Secretário de Estado Adjunto e da Energia. Para cumprir esse desígnio, o país deve seguir uma estratégia assente no reforço da penetração de energias renováveis, reduzindo as importações de combustíveis fósseis. As fontes hídrica, eólica e biomassa já estão bem desenvolvidas, agora importa reforçar a aposta na energia solar e aproveitar o potencial do hidrogénio.

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João Galamba

SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO E DA ENERGIA

Natural de Lisboa e formado em Economia, há muito que a Política faz parte da sua vida. Desde 2009, e por três legislaturas consecutivas, exerceu o cargo de deputado do Partido Socalista, tendo chegado a desempenhar o cargo de vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS. Em 2018, assumiu o cargo de Secretário de Estado Adjunto e da Energia.

Nos últimos anos, a questão energética trouxe novas discussões, debatendo-se o consumo, recursos naturais, mudanças climáticas e, principalmente, a segurança energética dos países. Para onde caminhamos?

A visão que o Governo tem, e que enforma o Plano Nacional Energia e Clima 2021 – 2030 (PNEC 2030), em articulação com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, estabelece para Portugal a descarbonização da economia e a transição energética, visando a neutralidade carbónica em 2050.

Estes dois objetivos são oportunidades de desenvolvimento económico e industrial para o país.

Apesar dos investimentos em fontes alternativas, a nível mundial o petróleo continua a ser o primeiro recurso energético, seguindo-se o carvão e o gás natural. Como se situa Portugal?

A evolução do consumo de energia no nosso país demonstra o potencial de descarbonização de uma estratégia assente no reforço da penetração de energias renováveis, que levam à redução significativa das importações de combustíveis fósseis.

Em Portugal tem-se verificado uma redução progressiva do peso do petróleo no consumo final de energia, enquanto o gás natural e a eletricidade registaram um aumento no mix de consumo de energia final. Por outro lado, o consumo de carvão encontra-se em níveis mínimos históricos.

Em 2018, a incorporação de fontes renováveis de energia no consumo final bruto de energia situou-se nos 30,3% (6.º valor mais elevado da União Europeia a 28), fazendo com que Portugal tenha já alcançado cerca de 98% da sua meta de 2020.

Quais as medidas para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis?

As energias renováveis hídrica, eólica e biomassa estão bem desenvolvidas em Portugal, daí o foco do Governo na energia solar, uma das fontes endógenas renováveis mais abundantes no nosso país, cuja expressão no mix português de produção de eletricidade é extremamente reduzida a comparar com outros países europeus.

Em 2021, vamos encerrar as duas únicas centrais termoelétricas a carvão, colocando um fim à sua utilização em larga escala. O gás natural, consumido em Portugal, será progressivamente descarbonizado com o recurso ao hidrogénio renovável e aos gases renováveis.

No caso do petróleo, e produtos derivados, será necessário reforçar a descarbonização dos transportes através da sua progressiva eletrificação, complementada pelos biocombustíveis avançados, hidrogénio e combustíveis sintéticos renováveis.

O HIDROGÉNIO, E OS ELEMENTOS DA SUA CADEIA DE VALOR, SÃO ELEGÍVEIS PARA GRANDES FUNDOS E MECANISMOS DE APOIO, NUM TOTAL DE 870 MIL MILHÕES DE EUROS.

Uma das estratégias é colmatar a escassa produção de energia solar?

Temos de corrigir o insuficiente desenvolvimento da energia solar e, para isso, o Governo lançou um mecanismo de Leilão de capacidade de injeção nas redes elétricas. Trata-se de um processo competitivo e transparente, que aportará o maior valor possível aos consumidores de eletricidade, enquanto se atingem os objetivos de descarbonização a que o país se vinculou.

Por outro lado, o novo regime do autoconsumo e das comunidades de energia permitirá reforçar a componente solar a uma escala mais local e descentralizada.

Como podemos implementar sistemas eficientes de transporte público com menos emissões de CO2?

Isso passará, necessariamente, pela contínua aposta na promoção da renovação das frotas de veículos atuais por veículos limpos. Neste âmbito, o hidrogénio e os combustíveis sintéticos produzidos a partir de hidrogénio, em complemento com a eletrificação e os biocombustíveis avançados, serão uma solução para alcançar a descarbonização do transporte público.

A melhor solução dependerá do contexto e especificidades de operação dos serviços de transporte público.

A novidade será sobretudo a introdução do hidrogénio?

O hidrogénio é uma das soluções alternativas, sendo a bateria complementar à mobilidade elétrica na prossecução da meta de se alcançar a neutralidade carbónica até 2050. É particularmente relevante para os setores de transporte rodoviário e ferroviário de passageiros, serviços de logística urbana, táxi, transporte marítimo de passageiros e, inclusive, a aviação.

O hidrogénio tem sido considerado uma forte alternativa às soluções de veículos elétricos a bateria, dadas as vantagens em termos de alcance e eficiência, e que se traduzem em significativos ganhos operacionais. No transporte ferroviário, o hidrogénio será uma solução adaptável às linhas não eletrificadas, bem como na reativação de troços e/ou linhas que foram desativadas no passado, reduzindo significativamente os custos da expansão desta oferta.

Ao nível do transporte marítimo, embora a tecnologia não esteja tão avançada, existem várias soluções em teste, com base no hidrogénio.

Por outro lado, as infraestruturas de abastecimento a hidrogénio, preferencialmente com produção local associada, podem cumprir uma importante função no sistema energético, fornecendo uma solução técnica para o armazenamento sazonal de energia renovável, de escala variável e distribuída pelo território nacional.

PARA CORRIGIR O INSUFICIENTE DESENVOLVIMENTO DA ENERGIA SOLAR, O GOVERNO LANÇOU UM MECANISMO DE LEILÃO DE CAPACIDADE DE INJEÇÃO NA REDE ELÉTRICA.

É urgente encontrar uma maneira de produzir energia e, depois, armazená-la. Como podemos fazê-lo?

Em Portugal continental, o principal mecanismo de armazenamento de energia é a bombagem hidroelétrica, cuja capacidade atual é muito significativa (acima de 3 GW). A esta acrescerá a nova capacidade atualmente em construção (cascata do Tâmega).

Para aumentar a flexibilidade necessária a médio prazo, pela elevada penetração de renováveis com que estamos comprometidos, podemos ainda acrescentar o armazenamento eletroquímico (baterias) ou o de tipo químico (hidrogénio ou combustíveis sintéticos).

No Leilão Solar 2020 a nova opção remuneratória, designada por “Prémio Fixo por Flexibilidade” foi aquela em que mais lotes foram adjudicados (75% da quantidade adjudicada no leilão). Os resultados foram muito positivos, de tal forma que os vencedores abdicaram de receber um prémio por capacidade e estiveram disponíveis para pagar, os próprios, um prémio por capacidade ao sistema, a que acrescerá a receita da ativação do seguro de cobertura.

O hidrogénio é o combustível do futuro energético limpo e seguro?

A estratégia de Portugal para a próxima década, com reflexo nas seguintes, assenta numa combinação de diversas opções de políticas públicas e medidas, bem como de opções tecnológicas variadas, procurando encontrar sinergias. Nesta ótica, destaca-se o papel que os gases renováveis, em particular o hidrogénio, podem desempenhar na descarbonização dos vários setores da economia.

Por outro lado, a Comissão Europeia pretende assegurar a promoção de ações e investimentos bem coordenados ou conjuntos, em vários Estados-Membros, com o objetivo de apoiar uma cadeia de aprovisionamento de hidrogénio. O hidrogénio, e os vários elementos da sua cadeia de valor, são elegíveis para sete grandes fundos, entre outros mecanismos de apoio, os quais disponibilizam um total de 870 mil milhões de euros e onde o hidrogénio poderá absorver uma fatia considerável.

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HIDROGÉNIO

ISQ NO CONSÓRCIO H2 CoLAB GREEN HYDROGEN

COMPOSTO POR INSTITUIÇÕES ACADÉMICAS, CIENTÍFICAS E GRANDES PLAYERS TECNOLÓGICOS, ESTE CONSÓRCIO VISA SER UM CENTRO DE REFERÊNCIA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

O ISQ integra o consórcio do H2 CoLAB Green Hydrogen, que visa o desenvolvimento de soluções de conteúdo científico e tecnológico relevante, bem como a promoção da economia do hidrogénio, permitindo a sua disseminação e uso generalizado, em segurança e a custos eficientes. O consórcio H2 CoLAB Green Hydrogen é composto por instituições académicas, científicas e grandes players tecnológicos que, globalmente, reúnem de forma articulada as competências mais relevantes e transversais na cadeia de valor do H2. Desta forma, será possível assegurar o sucesso do H2 CoLAB Green Hydrogen e torná-lo um centro de referência científica e tecnológica para desenvolver as soluções mais adequadas atuais, e garantir a sua liderança tecnológica.

Nesta área, em Portugal, destaca-se já o projeto para Sines.

O grande projeto para Sines representa um pouco menos de 1,5 mil milhões, 10% do volume total de manifestações de interesse recebidas para participação no futuro Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI) Hidrogénio.

Mas não é o único para a região, nem o de maior dimensão. O “H2Enable — The Hydrogen Way for Our Chemical Future”, da Bondalti Chemicals para Estarreja, tem um valor total de investimento de 2,4 mil milhões de euros, em 20 anos.

Sines será sempre um hub muito importante para o hidrogénio, mas temos também de destacar o projeto da Bondalti, que inclui a substituição integral de amoníaco fóssil por amoníaco verde, com potencial de exportação deste novo produto. Queremos projetos de diferentes escalas em todo o país, aplicando-se uma lógica descentralizada.

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Sines será sempre um hub muito importante para o hidrogénio

A energia sustentável é uma oportunidade de negócio em Portugal?

Já o é atualmente. Veja-se o caso do cluster eólico nacional, que é responsável por milhões de euros de exportações todos os anos.

A este somam-se múltiplos exemplos de empresas que já atuam nesta área. O primeiro leilão solar fotovoltaico em 2019, com um total de 1 400 MW, repartidos por 24 lotes, é um exemplo da oportunidade de negócio, na energia de origem renovável/sustentável, mutuamente benéfica para os promotores e para os consumidores de eletricidade. Os resultados deste primeiro leilão em Portugal, que garantiram os preços mais baixos da Europa e durante alguns meses mínimos mundiais, terão tradução direta em ganhos efetivos para os consumidores.

Estimam-se que estes sejam de mais de 600 milhões de euros (período de 15 anos), aos quais acrescem os ganhos do leilão de 2020, estimados na ordem dos 559 milhões de euros a 15 anos.

O mesmo acontece com o hidrogénio?

No caso do hidrogénio, representa um extraordinário contributo para a industrialização em áreas de elevado valor acrescentado.

A indústria nacional, recorrendo ao conhecimento e às capacidades e engenharia já existentes, poderá tirar partido desta nova economia emergente do hidrogénio através, por exemplo, da produção de equipamentos (eletrolisadores, transporte, distribuição, armazenamento, entre outros), com elevado potencial exportador.

Outra oportunidade é a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios e que visa promover a renovação de edifícios, contribuindo para um aumento da eficiência energética do parque edificado.

Que mensagem deixaria à indústria e aos consumidores?

A descarbonização da economia e a transição energética, visando a neutralidade carbónica em 2050, representam uma extraordinária oportunidade para o país, que permitirá transformar a economia nacional numa lógica de desenvolvimento sustentável assente num modelo democrático, que promove o progresso civilizacional, o avanço tecnológico e a criação de emprego e de riqueza.

O caminho para a descarbonização da economia é simultaneamente uma oportunidade para o investimento e para o emprego. Esta oportunidade traduz-se em novas oportunidades de negócio, mas também — saliento o exemplo concreto da produção distribuída e do autoconsumo de energia a partir de fontes renováveis (dinamizado pelo Decreto-Lei n.º 162/2019, de 25 de outubro) — possibilita que cidadãos, empresas e demais entidades públicas e privadas, produzam, consumam, partilhem, armazenem e vendam a energia produzida a partir de fontes de energia renovável, participando, assim, ativamente na transição energética.

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cidadãos, empresas e demais entidades públicas e privadas, produzam, consumam, partilhem, armazenem e vendam a energia produzida a partir de fontes de energia renovável, participando, assim, ativamente na transição energética

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SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO E DA ENERGIA Natural de Lisboa e formado em Economia, há muito que a Política faz parte da sua vida. Desde 2009, e por três legislaturas consecutivas, exerceu o cargo de deputado do Partido Socalista, tendo chegado a desempenhar o cargo de vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS. Em 2018, assumiu o cargo de Secretário de Estado Adjunto e da Energia.

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