Sustentabilidade – entrevista a João Wengorovius Meneses
ENTREVISTA
O DESAFIO DE TOMAR DECISÕES QUE SEJAM AMBIENTAL E SOCIALMENTE CONSCIENTES É DE TODOS – EMPRESAS, GOVERNOS E CIDADÃOS. POR ISSO, A SOLUÇÃO PARA O FUTURO TERÁ DE PASSAR POR PERCEBER O QUE TODOS PODERÃO FAZER NÃO SÓ INDIVIDUALMENTE, MAS EM TERMOS COLETIVOS.
“You may delay, but time will not.” A frase é de Benjamin Franklin e para João Wengorovius Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, adequa-se na perfeição ao desafio da sustentabilidade. Corremos contra o tempo para encontrar soluções duradouras que garantam recursos para as gerações vindouras. A favor está o mundo digital e da indústria 4.0, com “um enorme potencial para ganhos de produtividade, mas também para contribuir de forma disruptiva para a otimização de recursos”, acrescenta o responsável do BCSD.
Afinal de contas, o que é a sustentabilidade?
Sustentabilidade é uma palavra que recentemente entrou no léxico do dia a dia em diversos domínios e contextos, da academia à política, das empresas às conversas avulsas em transportes públicos. Deriva do latim sustentare, isto é, sus- tentar, conservar, cuidar. Sucintamente, consiste na capaci- dade de satisfazer as nossas necessidades no presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfaze- rem as suas necessidades. A noção de não comprometer o futuro remete mais diretamente para a dimensão ecológica do ambiente e dos recursos naturais. Porém, a sustentabilidade envolve pelo menos mais duas dimensões: a social, ou seja, a importância da coesão social, e a económica, na qual se incluem a ética e os princípios subjacentes à gestão das organizações.
Para que os nossos modelos de desenvolvimento sejam sustentáveis, é necessário não comprometer o futuro do ponto de vista do capital natural, mas isso só se consegue se as sociedades e as organizações forem socialmente equilibradas e geridas com base em princípios sólidos.
Historicamente, quais são os momentos-chave da sustentabilidade?
A Humanidade tem um impacto na biosfera e nos siste- mas sociais desde a primeira Revolução Agrícola. Contudo, é com a Revolução Industrial do século XVIII que a nos- sa pegada ecológica e social se começa a fazer sentir. Do ponto de vista social, a Revolução Industrial trouxe diver- sos desafios, como novos fenómenos de pobreza urbana. Da doutrina social da Igreja ao socialismo e a correntes li- terárias realistas (por exemplo, Charles Dickens), no século XIX surgiram várias reações à “questão social” associada à Revolução Industrial. Por outro lado, os valores subjacentes à Revolução Francesa, na génese das democracias liberais, contribuíram também para uma maior sensibilidade para o humanismo e a coesão social.
E do ponto de vista ambiental?
No que respeita ao ambiente, com a Revolução Industrial co- meçou o uso massificado de recursos naturais e a poluição em larga escala. Com o capitalismo, a nova forma de organi- zação económico-social na génese das novas democracias liberais, o consumismo e o crescimento económico ganha- ram uma centralidade que nunca haviam tido. De então em diante, passou a haver uma relação direta entre consumo e bem-estar ou felicidade. Porém, ainda que com a Revolução Industrial o ambiente tenha saído bastante prejudicado, a questão ambiental só ganha visibilidade na segunda metade do século XX. Até então, prevalecia a máxima do período da Revolução Industrial: “Onde há poluição, há dinheiro.”
Há ainda o terceiro pilar, o do governance…
Relativamente ao governance, ou seja, o modo como as or- ganizações são geridas e geram o seu lucro, só mais recente- mente foi adotado como uma questão-chave para a susten- tabilidade, sendo o último dos três pilares.
PERFIL
JOÃO WENGOROVIUS MENESES
Formado em Marketing e em Gestão e mestre em Desenvolvimento, já exerceu cargos nos setores público e privado, assim como em ONG. Foi diretor municipal de Ação Social na Câmara Municipal de Lisboa e, em 2015, nomeado secretário de Estado da Juventude e do Desporto. Durante mais de dez anos, foi professor convidado na Universidade Católica Portuguesa e no ISCTE-IUL. Atualmente, é secretário-geral do BCSD Portugal.
Porque é que mais recentemente a sustentabilidade entrou no léxico e nas agendas da generalidade das instituições?
Na década de 1960, em pleno boom económico do pós-guerra, com a generalidade das pessoas dos países desenvolvidos a ambicionar níveis de consumo sem precedentes, começam os sinais de alerta, maioritariamente da academia e de grupos ecologistas. Começaram a perceber que a Grande Acelera- ção, como foi denominada, era uma rota insustentável para o planeta, dado que a pegada ecológica global rapidamente iria superar a capacidade de carga da Terra.
Basta olhar para os números. Em 1880, a população mundial era de 1,1 mil milhões, hoje somos 7,7 mil milhões. Desde então, e apesar do aumento da população e de uma percentagem muito relevante ser pobre, o PIB per capita médio global aumentou de 1.263 USD para 11.368 USD. Ora, com o boom populacional e económico, o uso de recursos naturais (renováveis e não renováveis) e os níveis de poluição e de geração de resíduos aumentaram exponencialmente.
Hoje, são necessários 1,7 planetas para suportar o nosso estilo de vida. Estamos a viver a crédito das futuras gerações.
Podemos dar como exemplo o consumo de uma simples t-shirt.
Isso ilustra a insensatez a que chega o nosso modelo de desenvolvimento das coisas mais simples. Desde a produção do algodão até à venda final, uma única t-shirt consome 2.700 litros de água (o consumo médio de uma pessoa durante três anos) e percorre 14 mil quilómetros, tendo uma pegada carbónica enorme. E do ponto de vista social, sabemos as condições em que vive e trabalha muita gente da indústria da moda, especialmente em fábricas nos países em desenvolvimento. Ora, se a t-shirt nos custar 5, 10 ou 15 euros, obviamente não paga a delapidação do capital natural e social.
Quando surgiram os primeiros sinais de alerta?
Em 1962, foi publicado um livro que alertava para as sérias consequências ambientais do modelo de desenvolvimento vigente: Primavera Silenciosa, de Rachel Carson. Seguiram-se diversos artigos em revistas científicas, como o “The Tragedy of the Commons” (1968). Mas a primeira publicação a ter impacto no público foi o relatório “The Limits to Growth” (1972), encomendado pelo Clube de Roma ao casal Meadows.
Foi necessário esperar alguns anos até surgir algo de mais concreto.
Em 1983, as Nações Unidas convidaram a ex-primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland para dirigir a nova Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento. Depois de décadas de esforços para melhorar os padrões de vida através da industrialização, muitos países ainda lidavam com a pobreza extrema. O desenvolvimento económico à custa da saúde ecológica e da equidade social não resultava em prosperidade duradoura. Passados quatro anos, a Comissão Brundtland divulgou o relatório final, “Our Common Future”.
Quais as principais conclusões e recomendações desse relatório?
Este relatório veio alertar para as consequências ambientais negativas do desenvolvimento económico e da globalização e oferecer soluções para problemas decorrentes da industria- lização e do crescimento populacional. Propôs, pela primeira vez, o conceito de desenvolvimento sustentável e sugeriu que devia ser uma abordagem holística, que considera as dimen- sões ambientais, sociais e económicas, admitindo que todas devem ser tidas em conta para uma prosperidade duradoura.
Sabia que…
No domínio empresarial, em 1994 John Elkington propôs um modelo de criação de valor triple bottom line.
Defendia que, no longo prazo, as empresas só seriam capazes de criar valor se, além de assegurar o capital económico, também contribuíssem no domínio social e ambiental.
Elkington não propunha apenas que as empresas fossem capazes de mitigar os seus impactos sociais e ambientais, mas sim que conseguissem gerar valor social e ambiental, a par do lucro, uma vez que só os 3 Ps (profit, people and planet) dariam às empresas uma vantagem competitiva duradoura.
Onde estamos hoje e para onde caminhamos?
As duas tendências-chave do século XXI com maior impacto nas sociedades e nos modelos de negócio são a transformação digital e a sustentabilidade. Se a primeira chegou logo no início do século, e hoje a generalidade das pessoas e dos modelos de negócio já adotaram e não questionam o mundo digital, a sustentabilidade só agora começa a ganhar altitude e a impactar profundamente os negócios e as sociedades.
A combinação das duas, por exemplo, em modelos de negócio de economia da partilha (ou sharing economy), é cada vez mais frequente e uma oportunidade de negócio crescente. O mundo digital e da indústria 4.0 tem um enorme potencial para ganhos de produtividade, mas também para contribuir de forma disruptiva para a otimização de recursos, tornar a economia mais circular, dotar as cadeias de valor de maior transparência e ajudar a distribuir a riqueza disponível.
Os colaboradores e consumidores tornaram-se mais conscientes?
A sustentabilidade é decisiva para captar e reter colaboradores com talento, e uma exigência por parte dos consumidores. Um dos aspetos a alterar o comportamento dos trabalhadores e dos consumidores de forma mais acelerada e acentuada nos últimos anos é a preocupação com a sustentabilidade, com o propósito das empresas e dos produtos. Já não esperam que as empresas em que trabalham ou de que são clientes sejam as melhores do mundo, mas sim as melhores para o mundo.
O que hoje é incontornável, antes era uma questão de reputação?
No final do século passado, as empresas começaram a ter uma relação com a responsabilidade social por uma questão de gestão de risco reputacional e de licença para operar. Mais tarde, não só a lei se tornou mais exigente nas esferas am- biental, social e dos princípios de governance, como a gestão de risco se alargou a outras áreas além da reputacional.
Quais os principais riscos que as empresas e os países enfrentam?
Segundo o relatório anual do World Economic Forum (WEF) publicado em Davos, os principais riscos são de natureza ambiental. Há sérios riscos de rutura ou falta de matérias-primas e descontinuidade do negócio devido a eventos climáticos extremos. Segundo o WEF, não só são os riscos com maior probabilidade de ocorrência, como com maior impacto na atividade económica. Não é de espantar que os investidores sejam mais sensíveis aos riscos associados à sustentabilidade.
A sustentabilidade também passou a ser um negócio?
A sustentabilidade é uma oportunidade de negócio gigante. Por exemplo, a transição energética necessária para que se cumpram os objetivos do Acordo de Paris representa opor- tunidades de negócio significativas em muitas indústrias. Um dos sintomas de que a sustentabilidade é cada vez mais um fenómeno mainstream nas diversas indústrias é a exigência crescente por parte dos investidores – de que a carta anual do CEO da BlackRock, Larry Fink, é um bom exemplo –, e o facto de as empresas mais sustentáveis começarem a ter melhores taxas de financiamento.
Isso é visível no mercado de produtos financeiros sustentáveis. Este mercado disparou nos últimos anos. Em 2018, a emissão de “obrigações verdes” chegou aos 250 mil milhões de dó- lares e espera-se que em 2020 aumente para um bilião de dólares. Este tipo de emissão de dívida é alocado, obrigato- riamente, a projetos que contribuam para a sustentabilidade ambiental e está a atrair cada vez mais investidores porque começa a tornar-se mais rentável. Recorde-se que o Banco Europeu de Investimento foi pioneiro, ao lançar o programa de green bonds ainda em 2007 (as Climate Awareness Bonds). Em 2018, estas emissões já somam um volume total de 23,5 mil milhões de euros.
Os grandes desafios da sustentabilidade
As empresas têm grandes desafios pela frente, mas não só. Há desafios também para os centros de conhecimento, para os governos e para cada um de nós, enquanto cidadãos e consumidores.
- É fundamental que se diminua a emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera, como o dióxido de carbono e o metano.
- Os diferentes setores empresariais terão de reinventar a sua forma de produzir bens e produtos, de os transportar e de os descartar. É, sem dúvida, um desafio de dimensões consideráveis e as empresas começam a empenhar-se para o ultrapassar.
- Os avanços tecnológicos e o papel das energias renováveis são fulcrais. A automação das fábricas conduzirá a um uso mais eficaz da energia, uma melhor monitorização dos gastos e à otimização de recursos. As redes inteligentes e a desmaterialização de processos e procedimentos permitirão poupar energia e serão uma ajuda considerável na descarbonização dos setores.
- A economia circular começa a ser muito relevante para muitas empresas, que já começaram a compreender as vantagens de aproveitar ao máximo as suas matérias-primas e de promover a reutilização do produto final, quer pelo prolongamento do seu uso, quer pelo aproveitamento das partes para dar origem a novos artigos.
- Os governos devem dar os incentivos certos e criar os mecanismos necessários. Por exemplo, taxar o carbono, de modo que se consiga financiar a transição, ou abandonar os subsídios à agricultura intensiva ou à produção e utilização de combustíveis fósseis.
- Portugal deve dar seguimento ao ambicioso Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, bem como ao Plano Nacional para a Energia e Clima 2030, ambos aprovados este ano. Esperemos que sejam um sucesso. Deles depende a nossa competitividade futura – e o futuro do planeta!
Desenvolvimento Sustentável e Indicadores para os Serviços Urbanos e Qualidade de Vida
Serviço especializado para diagnóstico inicial e avaliação do desempenho da cidade
O ISQ disponibliza um serviço para diagnóstico inicial e avaliação do desempenho da cidade ao abrigo da Norma NP ISO 37120 – Desenvolvimento Sustentável e Indicadores para os Serviços Urbanos e Qualidade de Vida
Sendo parte integrante de uma nova série de normas internacionais em desenvolvimento para uma abordagem holística e integrada ao desenvolvimento sustentável e à resiliência, o conjunto de indicadores da Norma NP ISO 37120 ( Economia, Educação, Energia, Ambiente, Finanças, Resposta a incêndios e a emergências, Governança, Saúde, Recreio, Segurança, Alojamento, Resíduos, Telecomunicações e Inovação, Transportes, Planeamento urbano, Águas residuais, Água e saneamento) fornece uma abordagem uniforme ao que é medido e à forma como essa medição é realizada. Estes indicadores são utilizados para acompanhar e monitorizar o progresso do desempenho da cidade, de modo a obter um desenvolvimento sustentável caracterizado.
A metodologia usada pelo ISQ permitirá essa abordagem holística e integrada ao desenvolvimento sustentável que inclui indicadores para os serviços urbanos e a qualidade de vida; indicadores para as cidades inteligentes e indicadores para as cidades resilientes
Esta metodologia garante uma análise contínua do desempenho da cidade, conseguindo orientar o seu desenvolvimento através da medição da gestão de desempenho, o que permite um planeamento estratégico mais eficaz e suporta a tomada de decisão para o desenvolvimento de políticas públicas e de definição de prioridades, com a possibilidade de partilha das melhores práticas implementadas, integrada numa política de transparência com os cidadãos.
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