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Aviões mais resistentes às descargas atmosféricas

Garantir que os aviões estão preparados para tolerar os efeitos das descargas atmosféricas é o objetivo de uma das muitas certificações a que estes aparelhos têm de ser sujeitos. O ISQ, através do projeto PASSARO, está a desenvolver um conjunto de modelos a aplicar nos testes do cockpit.

Para um avião poder voar em determinado território, seja nos EUA, na Europa ou no Japão, tem de estar certificado. Para isso, existe um conjunto de normas europeias e norte-americanas que dão indicações de como se deve fazer essa certificação a vários níveis, desde a construção até à definição dos ensaios.

Um dos estudos a que o avião deve ser submetido está relacionado com os efeitos das descargas atmosféricas ou dos campos eletromagnéticos de elevada intensidade. É o caso das descargas de energia de um relâmpago e dos efeitos indiretos que a aeronave sofre quando é atingida por estas descargas, criando campos eletromagnéticos transitórios dentro do aparelho. É, pois, necessário garantir que o avião é capaz de tolerar estas perturbações transitórias.

Nesse campo, o projeto PASSARO (Capabilities for Innovative Structural and Functional Testing of Aerostructures), em colaboração com a ADS (Airbus Defence and Space), desenvolve atividades específicas que se dedicam ao estudo do comportamento das aeronaves perante estes fenómenos.

A participar neste projeto, o ISQ tem como papel estabelecer os planos de teste para serem aplicados ao cockpit, quer do ponto de vista dos efeitos diretos e indiretos da descarga atmosfé- rica, quer da vulnerabilidade dos sistemas a campos eletromagnéticos de elevada intensidade (transmissores de rádio difusão, navegação e localização, radares, sistemas de comunicações, entre outros). Ao criar um conjunto de modelos, o ISQ facilita o processo de certificação sempre que um fabricante decide mudar algum aspeto da fuselagem da aeronave, no sentido de avaliar os riscos associados a essa modifica- ção durante a certificação.

A IMPORTÂNCIA ATUAL DOS ESTUDOS

De facto, nos últimos anos têm ocorrido mudanças na área da aeronáutica que tornam estes estudos ainda mais importantes. A substituição de estruturas metálicas e mais pesadas por outras em materiais compósitos, para criar aeronaves mais eficientes, e a implementação de tecnologias fly-by-wire, substituindo os sistemas mecânicos, são mudanças importantes que criam novos desafios.

Além de testar e caracterizar materiais com o objetivo de integrar novas tecnologias que permitam melhorar a segurança, a eficiência e a sustentabilidade das aeronaves, o projeto PASSARO pretende também estudar quais os níveis de imunidade dos sistemas internos da aeronave e perceber de que forma diferentes interferências externas podem afetar os sistemas internos da aeronave.

Hugo Tavares, Engenheiro Eletrotécnico do Laboratório de Compatibilidade Eletromagnética do ISQ, responsável pelo estudo do comportamento dos sistemas elétricos e eletrónicos a fenómenos associados à compatibilidade eletromagnética define assim dois fenómenos desta área que são fulcrais: os efeitos associados à descarga atmosférica processo de desenvolvimento inicial do avião e têm um papel importante na redução dos custos dos ensaios necessários para obter a certificação, sobretudo porque recorrem à chamada Certificação Virtual. “Se o programa de ensaios para certificar um avião for exaustivo e baseado apenas em ensaios laboratoriais, só para avaliar um efeito específico, isso pode levar vários meses e ter custos elevadíssimos”, esclarece Hugo Tavares.

Desta forma, quando o fabricante estuda e determina os requisitos e se os campos eletromagnéticos de elevada intensidade (High Intensity Radiated Fields).

OS DESAFIOS ESPECÍFICOS DA AERONÁUTICA

Ao contrário de outras áreas do setor elétrico e eletrónico, onde a compatibilidade eletromagnética é um requisito legal sempre baseado em métodos laboratoriais de ensaio, no setor aeronáutico grande parte da certificação, sejam os efeitos de descargas atmosféricas ou campos eletromagnéticos de elevada intensidade (entre outros), podem basear- -se em simulação computacional eletromagnética 3D.

As simulações começam logo no processo de desenvolvimento inicial do avião e têm um papel importante na redução dos custos dos ensaios necessários para obter a certificação, sobretudo porque recorrem à chamada Certificação Virtual. “Se o programa de ensaios para certificar um avião for exaustivo e baseado apenas em ensaios laboratoriais, só para avaliar um efeito específico, isso pode levar vários meses e ter custos elevadíssimos”, esclarece Hugo Tavares.

Desta forma, quando o fabricante estuda e determina os requisitos específicos de imunidade eletromagné- tica para a instrumentação que tem de ser instalada dentro do avião, ainda antes deste existir, baseia-se então em modelos anteriores. Basicamente, só é feita certificação e aprovação daquilo que efetivamente mudou, podendo aplicar-se o princípio da similaridade entre sistemas que não são novos ou apresentam diferenças pouco significativas.

Todo este trabalho visa garantir a segurança dos aviões no âmbito de um projeto que, no caso específico do ISQ, permitirá qualificar quadros técnicos especializados nesta área aplicada a aeronaves. Sendo um projeto pioneiro para o instituto, vai trazer valor acrescentado às atividades já desenvolvidas pela instituição nesta área da compatibilidade eletromagnética, integrando a simulação e a Certificação Virtual. Vai também permitir a transferência de tecnologia e conhecimento para Portugal.

O QUE É O PROJETO PASSARO?

O PASSARO é um projeto promovido pelo AeroCluster Portugal que junta 12 parceiros num consórcio coordenado pela Caetano Aeronautic, o ISQ, o INEGI e a AERTEC.

Este projeto inédito a nível nacional foi selecionado, entre os melhores consórcios a nível Europeu, como core partner da ITD Airframe no Programa Clean Sky 2 e em parceria com a ADS (Airbus Defence and Space). No âmbito deste programa, o projeto PASSARO será responsável pelo desenvolvimento de um cockpit que se insere em aero-estruturas multifuncionais e inteligentes, desenvolvidas e produzidas em conceitos que integram a Indústria 4.0.

COMO SÃO ESTUDADOS OS EFEITOS DAS DESCARGAS ATMOSFÉRICAS?

Os efeitos das descargas atmosféricas são estudados a vários níveis seguindo os métodos previstos nas normas internacionais de certificação e os programas específicos de desenvolvimento de cada fabricante.

O papel do ISQ é “tentar determinar quais são as zonas da aeronave mais suscetíveis de serem atingidas por uma descarga atmosférica”, explica Hugo Tavares, engenheiro eletrotécnico do Laboratório de Compatibilidade Eletromagnética do ISQ. “Depois de identificados esses pontos mais vulneráveis, serão simuladas descargas atmosféricas em ambiente de laboratório e de seguida avaliar-se-á o dano físico provocado”, explica.

Estes testes enfrentam uma dificuldade: é extremamente difícil conseguir criar um padrão que caracterize do ponto de vista eletromagnético uma descarga atmosférica, uma vez que os mesmos são muito heterogéneos e decorrem segundo condições atmosféricas e espaciais muito imprevisíveis. É o caso, por exemplo, da latitude, altitude, velocidade e fase do voo. Desta forma, a comunidade científica internacional optou por caracterizar o fenómeno da descarga atmosférica num modelo típico de correntes transitórias. Este modelo é caracterizado por várias componentes (A, Ah, B, C, C*, D, H, MS e MB) que são características das diferentes fases de desenvolvimento da descarga atmosférica e como cada uma destas pode influenciar de forma distinta a aeronave e os seus sistemas. Por exemplo, a componente A injeta correntes de 200 kA na fuselagem do avião em tempos de subida da ordem dos 6 μs.

Hugo Tavares explica o que está em causa nestes fenómenos. “A descarga atmosférica, ao atingir e propagar-se na aeronave, tem um ponto de entrada e de saída mais provável, dependendo geralmente da forma como se estabelece o canal em relação à direção de voo da aeronave. Como o avião está em voo e está a deslocar-se a velocidades elevadas, a descarga atmosférica pode acoplar-se e desacoplar-se múltiplas vezes durante uma única descarga antes da maior parte da energia ser transferida pelo canal. Isto é extremamente perigoso, porque a descarga atmosférica propaga-se e vai fazendo vários furos ao longo da fuselagem. Além disso, são muitos impulsos (tipicamente na ordem das poucas dezenas) num curto espaço de tempo, como é o caso do MS e do MS com várias descargas (tipicamente 20 a 30) num espaço de tempo de 200 ms.”

Estes fenómenos transitórios originam campos eletromagnéticos transitórios que penetram na aeronave através das fendas e junções entre componentes, caso das janelas, portas e de todas as áreas abertas de ar condicionado. Estes campos propagam-se pela cablagem, tubos hidráulicos, tubos e tanques de combustível e estruturas metálicas. Isto significa que todos estes sistemas dentro do avião têm de ser capazes de tolerar estas perturbações transitórias.

Por Hugo Tavares, Engenheiro de Compatibilidade Eletromagnética (CEM), ISQ

Com Ana Paula Pinheiro, Comunicação e Imagem, ISQ

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