Indústria Automóvel: os desafios para a qualificação dos Recursos Humanos
A Indústria Automóvel (IA) em Portugal é particularmente significativa e de natureza fortemente exportadora. Em 2016 foram fabricados 143.481 veículos sendo 95% destinados a exportação (dados Mobinov- Associação do Cluster Automóvel). É um dos setores da indústria que contribui em grande escala para o emprego e para o PIB de Portugal.
De natureza fortemente tecnológica, e como corolário deste tipo de indústrias, a IA caracteriza-se pela presença e necessidade de uma elevada percentagem de quadros técnicos altamente qualificados, encarregados, chefes de equipa e quadros técnicos, a que corresponde uma remuneração acima da média comparada com a restante indústria transformadora. Em Portugal, o custo com pessoal médio por trabalhador na indústria transformadora em 2015 foi de 17.220€, enquanto que na IA foi de 22.450€ (dados Mobinov- Associação do Cluster Automóvel).
As três principais áreas de atividade que se destacam na cadeia de valor da IA no nosso País são o fabrico de moldes, o fabrico de componentes e o fabrico de veículos automóveis (VA). O ISQ mantém uma forte presença nestas fileiras através da prestação de um vasto leque de serviços de natureza laboratorial, de consultoria e de inspeção. Resultante desta proximidade, é inevitável fazer uma reflexão acerca de um dos principais problemas que a IA em Portugal enfrenta atualmente, particularmente na fileira dos fabricantes de VA, e que é transversal à IA a nível mundial: Escassez de talentos em engenharia à escala global.
As novas tecnologias têm ajudado a harmonizar esta carência e agilizado a comercialização. No entanto, o que exige uma resposta urgente a esta carência é a rápida evolução tecnológica associada à construção dos VA e a crescente procura de veículos personalizados. A IA vive tempos difíceis. A pressão a que o setor está sujeito para desenvolver, construir e validar novos veículos é cada vez maior. Para continuar a ser competitivo, o setor tem de criar uma envolvente cada vez mais flexível, reduzir os tempos de produção, custos de desenvolvimento e agilizar a comercialização. São grandes desafios, especialmente num contexto de escassez de profissionais qualificados à escala global. O epicentro do problema é a falta de engenheiros qualificados, capazes de utilizar novas máquinas e equipamentos automatizados e, em simultâneo, manter-se atualizado em relação às tecnologias emergentes.
Ainda que os robots consigam ocupar-se de algumas tarefas, existem poucas fábricas totalmente controladas por robots. São também necessários técnicos qualificados para supervisionar operações e dar instruções às máquinas e aos robots, pois nem a internet das coisas (IoT- Internet of things), nem o interface máquina-máquina pode substituir os conhecimentos de um engenheiro qualificado.
Para termos uma ideia da gravidade da situação, se analisarmos um estudo realizado em 2017 para a realidade da Europa pela Engineering UK, que trabalha em parceria com a comunidade de engenharia para promover o papel vital dos engenheiros e da engenharia e inspirar próximas gerações de engenheiros, concluiu que serão necessários, para além dos que já existem, 1,8 milhões de engenheiros e técnicos qualificados em 2025. Concluiu também que se licenciam menos 20 mil engenheiros por ano do que aqueles que realmente o mercado necessita.
Em coerência com o estudo da Engineering UK, atualmente vigora a opinião generalizada de que não existe pessoal qualificado suficiente para responder às necessidades do universo tecnológico atual. Este não é um problema exclusivo da IA. Alguns fabricantes têm grandes dificuldades em encontrar pessoal qualificado capaz de aproveitar o rendimento da tecnologia avançada de fabricação subjacente à IoT, robótica, impressão 3D e à realidade virtual/aumentada.
Porque acontece esta falta de engenheiros e técnicos qualificados na IA?
Existem várias causas, mas a que nos parece mais viável e frequente, e que resulta da interpretação do ISQ decorrente da sua proximidade com IA, é que os engenheiros qualificados abandonam as suas especialidades para fazer carreira em setores mais lucrativos, como por exemplo o financeiro, enquanto que os que são fieis à sua área de especialização, optam por trabalhar em setores diferentes do setor automóvel. No caso dos profissionais que se mantêm na IA, a necessidade de acompanhar a integração das novas tecnologias persiste e está sempre presente ao longo das carreiras, tanto a nível fabril como a dos próprios veículos. Esta realidade é particularmente acentuada e em constante aceleração nos dias de hoje atendendo também à mudança de paradigma industrial que atravessamos: A Indústria 4.0.
O problema agrava-se pela falta de oferta especializada por parte das Universidades. Do lado do ensino superior, é também cada vez mais difícil ter um corpo docente e instalações apropriadas e atualizadas, que acompanhem a evolução tecnológica, capazes de preparar os novos engenheiros e técnicos especializados e, por outro lado, fornecer formações e cursos de atualização aos engenheiros já formados.
Mas a dificuldade em aceder a pessoal qualificado, não se restringe aos fabricantes. Como Centro de Interface Tecnológico, no seu Laboratório de Ensaios para a IA, o ISQ depara-se também com esta escassez de mão-de-obra especializada e preparada. O motivo advém das necessidades constantes e crescentes de ensaios a novos componentes relacionados com a evolução tecnológica e com o desenvolvimento de recentes conceitos de mobilidade. Conceitos como o do veículo autónomo, veículo inteligente ou o veículo elétrico, introduzem novos desafios ao nível dos ensaios, dificultando muitas vezes uma resposta em tempo útil às necessidades da IA.
Como outros países fazem face a este desafio?
Em países, como por exemplo a Alemanha e a França, as universidades têm maior facilidade para acompanhar as novas tecnologias pelo facto de terem os maiores construtores instalados nesses países. Existe também um forte movimento encabeçado pelas Universidades no sentido de, em conjunto com os construtores e instituições do setor automóvel, desenvolverem alianças para melhorarem os seus serviços de formação e qualificação no âmbito das áreas da Engenharia.
Destas alianças resultam várias vantagens, nomeadamente por exemplo o facto de os alunos terem permanente acesso às novas tecnologias e às novas tendências durante a sua formação universitária. Esta realidade resulta da presença dos “managers” do setor automóvel nas Universidades durante o processo formativo, bem como da partilha de infraestruturas e instalações (na maioria dos casos, os laboratórios são comuns). Os alunos podem assim, ouvir todos os dias os especialistas do setor automóvel, ao mesmo tempo que as universidades promovem maiores níveis de atualização em relação à realidade tecnologia, tecnologias e sistemas em desenvolvimento pela IA, garantindo assim a alocação imediata dos recém-formados nos quadros das empresas fabricantes.
Como exemplos desta oferta formativa, no Reino Unido existe uma parceria entre a Loughborough University e a Jaguar Land Rover ou na vizinha Espanha a Universidade de Vigo e o Centro Tecnológico da Galiza. Desenharam-se cursos técnicos, de engenharia e mestrados, capazes de responder às necessidades dos construtores, bem como centros de investigação automóvel. Desta forma, conseguiram também fortalecer os próprios países transmitindo um elevado grau de confiança às novas empresas do setor que se pretendam instalar.
Em Portugal, este modelo de cooperação entre Universidades e a IA, apesar de já ter dado alguns passos por exemplo pela Universidade de Coimbra, o Politécnico de Leiria ou o Instituto Superior de Engenharia do Porto, contínua ainda incipiente face às necessidades reais e pouco estimulador para novas empresas que se pretendam instalar no nosso País.
Neste modelo, o corpo docente das Universidades é também constituído por profissionais da IA, quer os pertencentes aos fabricantes quer os pertencentes aos Centros de Interface Tecnológico, à semelhança do que acontece com os Institutos Fraunhofer na Alemanha, existindo também partilha de infraestruturas laboratoriais. Um modelo semelhante para Portugal, seria um modelo que, por um lado nos aproximaria do modelo Europeu, e por outro, posicionaria o País perante a IA num patamar de competitividade superior no que se refere à mão de obra qualificada.
Como Centro de Interface Tecnológico, o ISQ posiciona-se como catalisador deste modelo e prepara-se para dar os primeiros passos no sentido de fortalecer a relação com o Ensino Superior para melhor preparação dos profissionais de engenharia vocacionados para a IA, nomeadamente no que se refere aos Ensaios Laboratoriais a componentes.
André Mendes
Laboratórios ISQ | LABAUTO